Críticas — Rede de Intrigas (1976), Herói por Acidente (1992), O Abutre (2014), O Círculo (2017)

Dia do Trabalho: da manipulação das Redes de TV às Big Tecs

Na década de 1970 a televisão estava no auge: a primeira Copa do Mundo em cores, o primeiro pouso na Lua e uma guerra televisionada através de um tubo que ditava a realidade conduzindo a audiência para onde quisesse: a televisão se tornou a verdade dentro de uma enorme Rede de Intrigas (1976). “Não existem nações, não existem pessoas; só há IBM e ITT, e AT&T e Du Pont, Dow, Union Carbide e Exxon. O mundo é um colegiado de corporações inexoravelmente determinado pelas leis imutáveis dos negócios. O mundo é um negócio. Tem sido desde que o homem saiu da caverna” — Arthur Jensen (Ned Beatty) da fictícia UBS: baseada diretamente nas TVs CBS, NBC e ABC, explica para Howard Beale (Peter Finch) o que é o meio onde ele vive. No Brasil, 70% da indústria cultural sensacionalista, responsável por conduzir as massas e faturar em cima, pertence a seis famílias: Marinho (Organizações Globo), Frias (Folha de S. Paulo, UOL), Mesquita (O Estado de S.Paulo), Saad (Bandeirantes), Abravanel (SBT) e Civita (Abril). Nossos cinco maiores bancos (Itaú, Bradesco, Santander, Caixa Econômica e Banco do Brasil) controlam 82% dos depósitos do país. Atualmente, o globalismo é quem molda o comportamento da nossa sociedade, padronizado pela agência de notícias Reuters, em cujo monopólio se estabeleceu uma concorrência ilusória entre os principais jornais do planeta, incapazes de estabelecer um debate consciente para a população. Na trama dirigida por Sidney Lumet, Beale fala verdades ao vivo em horário nobre, cuja audiência do jornal aumenta consideravelmente, o que leva a diretora de programação Diana Christensen (Faye Dunaway) dar um programa de auditório exclusivo àquele “Profeta Louco” com o aval do diretor executivo materialista, Frank Hackett (Robert Duvall). Ocorre que esse novo formato de manipulação intensa, proposto pela fria e psicótica workaholic, obriga o colega ético e tradicional Max Schumacher (William Holden) a pedir demissão do cargo.

Herói por Acidente (1992) é outro caso de imposição da mídia ao definir as características de um herói: bonito, elegante e educado; sobretudo engajado numa agenda social politicamente correta: como visitar crianças e idosos em hospitais, preservar o meio ambiente e defender os pobres e as minorias. No entanto, “o verdadeiro heroísmo consiste em persistir por mais um momento quando tudo parece perdido” — W. F. Grenfel. Na trama, Bernie Laplante (Dustin Hoffman) é um vagabundo, mentiroso e trapaceiro; propenso ao heroísmo desde a sua participação na Guerra do Vietnã. O taciturno condenado à prisão era admirado apenas pelo filho antes de salvar todos os 54 passageiros em um avião em chamas, carregando no colo metade dos feridos. Ao contrário dos bombeiros que apenas cercaram a aeronave danificada antes da explosão: sem assumir riscos. Entre os sobreviventes estava Gale Gayley (Geena Davis), outra repórter de TV inescrupulosa que oferece um milhão de dólares por uma entrevista daquele herói anônimo, embora quem apareça na emissora é o seu melhor amigo disfarçado, John Bubber (Andy Garcia): especialista em comunicar virtudes. Bubber adora holofotes enquanto Bernie repulsa-os; contanto que os estudos do filho sejam pagos. Por isso, a troca de identidade é mantida em segredo sem desconstruir o mito; uma vez que o público ama o personagem ao invés do herói de verdade.

O diretor Dan Gilroy define O Abutre (2014) como uma “história de sucesso”, ambientada numa Los Angeles decadente; porque lá o crime compensa. Louis Bloom (Jake Gyllenhaal) é um fracassado sem empatia por ninguém: tanto pelas vítimas que filma quanto pela concorrência, após sabotar a van do cinegrafista interpretado por Bill Paxton para chegar primeiro no local do acidente. Desempregado, aquele autodidata inconsequente arranjou uma câmera e um receptor de rádio da polícia, a fim de prosperar na profissão de Nightcrawler — acima da ética profissional —, ignorando o certo do errado com o intuito de se dar bem da vida a qualquer custo. A empreitada do sedutor é estimulada pela editora de um canal de TV, Nina Romina (Rene Russo) e sustentada pelo público sedento por violência gráfica: com muito sangue nos noticiários sensacionalistas da calada da noite. O ousado sociopata teve visão de mercado ao estabelecer um império de reportagens em vídeo: adquirindo duas vans e três estagiários facilmente manipulados como o ingênuo Rick (Riz Ahmed).

O Círculo (2017), é uma comunidade global que se confunde à nossa realidade pública e privada, cujo excesso de segurança busca eliminar paulatinamente a liberdade dos membros até a “transparência total”; fazendo-os trabalhar cada dia mais e de forma integral: num ambiente jovem e arborizado, repleto de atividades prazerosas e hipnotizantes com shows ao vivo. O logo da empresa no Vale do Silício assemelha-se ao do Google, enquanto Eamon Bailey (Tom Hanks) ao líder de uma seita totalitária: o único vigilante que não é vigiado tampouco investigado. Na trama, a novata Mae Holland (Emma Watson) é aceita na empresa como uma simples atendente a fim de a pagar o tratamento do pai com esclerose múltipla, embora por questão de pertencimento ela passa a dormir no local e filmar o seu dia a dia artificial: de forma intensa e estressante, lembrando O Show de Truman. Esse foi o último filme de Bill Paxton, falecido em fevereiro de 2017, aos 61 anos, interpretando o pai de Mae Holland.


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