Críticas — Náufrago (2000), As Aventuras de Pi (2012), Vidas à Deriva (2018), Até o Fim (2013)

Nunca nos permitimos o pecado de perder o controle do tempo: porque se vive e morre pelo relógio (Chuck Noland). Tom Hanks foi quem teve a ideia de produzir Náufrago (2000) ao lado do mesmo diretor de Forrest Gump, Robert Zemeckis. O ator queria reinventar o conceito de “preso numa ilha deserta,” associado anteriormente apenas a Robinson Crusoé e A Ilha dos Birutas (1963), sem os cinco elementos necessários para viver: comida, água, abrigo, fogo e companheirismo; cujo roteiro demorou 6 anos para ser finalizado; reescrito 125 vezes por William Broyles após se isolar por alguns meses num campo de sobrevivência no México. Tom teve de engordar mais de 20 kg para encarnar o executivo de operações da FedEx e emagrecer tudo de novo na pele do primata sem pátria que redescobriu o fogo e o amor ao próximo na companhia da bola de vôlei Wilson Cataway. Aquele homem de pouca fé com todo o tempo do mundo agora, dependia da maré divina para lhe trazer encomendas via FedEx em vez dos empregados: como um papel de divórcio para alimentar o fogo; fitas vhs para amarrar a jangada; a bola amiga do mesmo sangue e patins de gelo para abrir cocos e apontar lanças. Após cogitar suicídio, a maré deu fim aquele teste supremo de paciência de jó, trazendo-lhe um pedaço de banheiro químico como vela para sua jangada: as asas que faltavam para transpor as ondas gigantes, e assim fugir daquela ilha bendita, como Ícaro fugiu por cima do Labirinto do Minotauro, na ilha de Creta. De volta a sanidade em mar aberto, uma baleia o avisa da chegada do cargueiro salvador; até no mês seguinte ser finalmente recepcionado com frutos-do-mar pelos colegas, além de um novo amor à sua espera, quando já havia aprendido a amar sem se apegar, permitindo a ex-noiva Kelly (Helen Hunt) constituir família na sua ausência de quatro anos; afinal o tempo não para.

Enquanto isso, Piscine Molitor admirava o cristianismo, islamismo, judaísmo e o budismo, sem se opor às demais religiões secundárias. Na verdade, aquele garoto era movido pela fé em vez de se apegar somente a doutrina.  Porém, para saciar sua sede de conhecimento espiritual apenas a Água Viva de Jesus resolveu: conectada à mãe-natureza onde peixes se oferecem para alimentá-lo na hora mais escura, a exemplo do Maná dos hebreus. “Sedento” era o nome do tigre-de-bengala que o acompanhou em toda sua jornada: As Aventuras de Pi (2012), mantendo-o vivo e atento por 227 dias (22 ÷ 7 = 3,14 π) até a Ilha Misteriosa de Júlio Verne — sequência de 20.000 Léguas Submarinas ou Ilha Carnívora —, obrigando-o a focar no problema e na solução em vez de ficar deprimido. Após o naufrágio, o tigre (seu instinto selvagem) é apelidado de Richard Parker em homenagem ao personagem de Edgar Allan Poe e a vítima do naufrágio real do Mignonette: ambos comidos pelos sobreviventes. O diretor Ang Lee contratou Steven Callahan como “consultor náutico”, porque em 1982 sobreviveu 76 dias num bote salva-vidas à deriva no Atlântico após seu veleiro afundar. A publicação homônima de Yann Martel, adaptada para o cinema , foi inspirada no conto: Max e os felinos do escritor brasileiro Moacyr Scliar.

Robert Redford e Shailene Woodley interpretam dois náufragos à deriva — cada um no seu veleiro — sem rádio e equipamento de navegação — devido a uma forte tempestade que os deixou várias horas desacordados após rolarem pelo oceano num iate descontrolado. Com um corte profundo na cabeça até a rota de navios, ambos utilizaram apenas um sextante e alguns mapas náuticos, embora no caso do homem idoso o salvamento fictício seja interpretativo, enquanto jovem atingida em 12 de outubro de 1983 pelo furacão Raymond nível 4 navega até hoje, apesar do trauma. Tami Oldham Ashcraft escreveu o livro “Red Sky in Mourning: The True Story of Love, Loss, and Survival at Sea adaptado para o cinema como Vidas à Deriva (2018), cuja voz do noivo Richard Sharp foi o alento necessário àquela vegana de pele surrada de sol a pino para caçar e se alimentar por 47 dias: da Califórnia até o Havaí no luxuoso iate Trintella 44, levado apenas pela maré .

Até o Fim (2013) foi escrito e dirigido por JC Chandor após Margin Call. De alguma forma seu segundo longa-metragem provoca sentimentos contrários e sinestésicos: contemplativo na ausência de diálogos e trilha sonora, atribuindo calma com uma certa urgência e liberdade àquele personagem sem nome, interpretado por Robert Redford, embora estivesse preso à vontade de viver a qualquer custo. Uma das obras cinematográficas que melhor define a solidão: traz alívio ao invés de angústia.

Deixe um comentário