Críticas – A Guerra do Fogo (1981), A Chegada (2016), 1984 (1984), Admirável Mundo Novo (2020)

200 anos de Independência do Brasil: O Grande Irmão quer roubar a nossa identidade

“No princípio era o verbo e o verbo estava em Deus e o verbo era Deus” (João,1-14). Palavra, pensamento e raciocínio é igual a logos em grego. Há 80 mil anos em A Guerra do Fogo (1981), os pré-históricos se organizavam em tribos com as mesmas características físicas: Noah, Gaw e Amoukar acreditavam que o fogo era sobrenatural de modo a trazer aquela chama acesa de volta à sua tribo; mas acabaram se envolvendo com Ika, cuja tribo sabia utilizar ferramentas e construir cabanas para sobreviver. Uma mulher alegre de pele lisa, senso de humor e linguagem mais elaborada, com quem aprenderam a fazer fogo sem precisar roubá-lo, pondo fim a guerra pelo fogo.

A língua portuguesa de acordo com o poema homônimo de Olavo Bilac foi a “última flor do Lácio, inculta e bela”, após ter sido  transmitida pelos soldados romanos aos povos bárbaros, sepultando assim o latim culto. Ocorre que na passagem do latim para o português o gênero neutro se fundiu ao masculino, dando destaque e privilégio ao gênero feminino. Para a Dra. Louise Banks (Amy Adams): “a história do português começa na Idade Média, no Reino da Galiza, onde a língua era vista como uma expressão de arte”; enquanto para o físico Ian Donnelly (Jeremy Renner): “a língua é a base da civilização que mantém um povo unido; a primeira arma sacada num conflito.” Na trama de A Chegada (2016), baseado no conto de Ted Chiang: História da Sua Vida, após dominar a linguagem cíclica que ganhou de presente dos heptapods (Abbott e Costello) Louise percebeu que o passado, o presente e o futuro estão devidamente conectados, de modo a conhecer o futuro sem ter que modificá-lo. Portanto, Einstein estava correto. Uma boa referência é Hannah: o nome da sua filha que morreu de câncer, escrito da mesma forma de trás para frente; como em 1001 Noites, símbolo da eternidade. Aquelas 12 naves extraterrestres em formato de lua crescente abriam-se como conchas a cada 18 horas em 12 pontos específicos do globo ao mesmo tempo, lembrando um singelo relógio de ponteiro com destaque aos múltiplos de 6; o mesmo dia da criação bíblica do Velho Adão.

George Orwell lutou na Guerra Civil Espanhola, cuja desilusão com os comunistas bombardeando os aliados anarquistas serviu de inspiração para criar o Grande Irmão em 1948, fruto de adaptações cinematográficas em 1956 e 1984. A Oceania é uma espécie de establishment ocidental anglo-saxão cuja função é produzir notícias atualizadas de modo que a população esqueça do passado ao estar entretida com uma guerra forçada, imaginando estar protegida pelo Grande Irmão, a quem lhe fornece comida racionalizada em construções brutalistas e cinzentas, sem alegria para viver. “Não interessa se a guerra está de fato acontecendo”. “A única coisa necessária é que exista um estado de guerra.” O  ministério do amor regula a espionagem, o ministério da verdade falsifica documentos, o ministério da fartura regula a escassez e o ministério da paz regula a guerra. As palavras: honra, justiça, moralidade e religião foram abolidas do vocabulário. Regulando as palavras, as palavras que sobram trazem mais confusão do que esclarecimento. “Se você tem uma palavra como “bom”, qual é a necessidade de uma palavra como “ruim”? “Desbom” dá conta perfeitamente do recado. É até melhor, porque é um antônimo perfeito”.  “Novilíngua é a única língua do mundo cujo vocabulário encolhe a cada ano?” “A verdadeira finalidade da Novilíngua é estreitar o âmbito do pensamento? No fim teremos tornado o pensamento-crime literalmente impossível, já que não haverá palavras para expressá-lo. Todo conceito de que pudermos necessitar será expresso por apenas uma palavra, com significado rigidamente definido, e todos os seus significados subsidiários serão eliminados e esquecidos. Menos e menos palavras a cada ano que passa, e a consciência com um alcance cada vez menor.” “A Revolução estará completa quando a linguagem for perfeita”. “Nem um único ser humano vivo será capaz de entender uma conversa como a que estamos tendo agora?” (Syme, colega de Winston). As pessoas são facilmente manipuladas quando se cria a narrativa correta e muda a linguagem. Um povo confuso que não tem como traduzir a realidade, é um povo mais fácil de se manipular. Duplo pensamento é a capacidade de abrigar simultaneamente duas crenças contraditórias e acreditar em ambas. 

Em 634 d.F. (depois de Ford) o Estado científico totalitário zela por todos. Nascidos de proveta aqueles seres humanos pré-condicionados têm comportamentos pré-estabelecidos ao ocuparem lugares pré-determinados naquela sociedade: os alfa no topo e os ípsilons na base da pirâmide. A droga soma é universalmente distribuída em doses convenientes para os usuários; família, monogamia, privacidade e pensamento criativo constituem crime e os conceitos de “pai” e “mãe” foram abolidos do imaginário popular. Relacionamentos emocionais intensos ou prolongados são proibidos, enquanto a promiscuidade é obrigatória. Não existe paixão tampouco religião e o Estado se confunde com as empresas. O professor de George Orwell, Aldous Huxley, em 1932, criou uma sociedade tecnocrata, entupida de prazeres, vida curta, intensa e fútil à base de entorpecentes, na qual os membros ignoram leitura, poesia, música e arte tradicional. Ao contrário de 1984, a manipulação hipnopedia sem censura prévia se dá pelo prazer ao invés da dor e  sofrimento, impossibilitando o amadurecimento e a evolução da alma. Escravos do prazer, escravos do sistema! Na série de 2020 com Demi Moore, apesar das decisões criativas à la Black Mirror, retrata muito bem aquela sociedade perestroikiana formada de castas, semelhante ao planeta Krypton ou a colônia espiritual Nosso Lar onde pensamentos se materializam. Os protagonistas Lenina e Bernard Marx foram inspirados em Lenin, Karl Marx e Bernard Shaw: os membros fundadores do Comunismo e do Socialismo Fabiano, cujo símbolo é a tartaruga e o lobo em forma de cordeiro. John, O Selvagem, amante de Shakespeare, homenageia João Evangelista de onde se cunhou o título: Admirável Mundo Novo. John foi o primeiro bebê nascido de parto natural, a exemplo de Kal-El, cujo nome significa “A voz de Deus”.

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