Críticas — A Pequena Sereia (1989), A Pequena Sereia (2023), Ponyo — Uma Amizade que Veio do Mar (2008)

No conto original do dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 – 1875) o Rei dos Mares da animação de 1989 foi substituído pela sua mãe na orientação das cinco princesas: ansiosas para conhecer a superfície terrestre onde “peixes voam nas árvores e sabem cantar tão docemente”. Aquela lua pálida e distorcida no céu, era uma cópia mal feita do mundo fantástico contado pela avó para A Pequena Sereia: de “pele clara e delicada como uma pétala de rosa e os olhos azuis como um lago profundo”.  As sereias do conto duram 300 anos até virarem espuma do mar; caso não se casem com um humano interessado em compartilhar sua alma imortal com elas. Esse era o objetivo da caçula ao completar 15 anos, cujas boas ações elevaram-na do submundo ao reino celestial, transformando-a num espírito do ar com a missão de amparar os humanos enquanto ela não adquirisse uma alma individual, antes de encarnar no Planeta Terra pela primeira vez num corpo físico.

Naquele conto dramático nossa heroína troca a voz pelos pés, embora sangrassem muito ao tocar no chão. Em oposição ao live-action homônimo de 2023, sem alma e sem graça quando governado no fundo do mar escuro e sem vida por um Rei Tritão (Javier Bardem) insosso diante das rebeldias da filha caçula. Além disso, a letra das músicas não encaixam no roteiro arrastado, com mascotes sem carisma e sem expressão, os quais não cativam o público, apesar da vilania de Úrsula (Melissa McCarthy) e da sintonia do casal real: Eric (Jonah Hauer-King) e Ariel (Halle Bailey); sobretudo pela voz de veludo daquela cantora promissora na vida real.

Ponyo — Uma Amizade que Veio do Mar (2008), Hayao Miyazaki enfatiza os aspectos espirituais do conto dinamarquês; da lenda japonesa entre o pescador Urashima Taro e uma tartaruga; da história do romancista Santō Kyōden chamada “Baika hyōretsu”, na qual a jovem Monohana é assassinada e sua alma fica presa no corpo de um peixinho dourado; do clássico de Júlio Verne, 20 Mil Léguas Submarinas, e muitos outros. Na trama, Brunhilde tem o mesmo nome da valquíria lendária da ópera de Richard Wagner: O Anel do Nibelungo, embora tenha sido apelidada Ponyo por Sōsuke, cujo amor verdadeiro impediu aquele peixinho dourado, transformado numa menina pura de coração, virar espuma do mar. Gran Mamare é a Deusa da Misericórdia budista e sua mãe, cuja aparência foi baseada na pintura Ophelia de Hamlet, em 1851, enquanto o tsunami provocado por Ponyo foi baseado no folclore japonês em que o bagre gigante Namazu movia sua cauda fazendo tremer todo o planeta.

Segundo o espírito Ângelo Inácio no livro Aruanda, psicografado por Robson Pinheiro, os seres elementais têm uma espécie de consciência instintiva a caminho da humanização que apenas Deus conhece. Os silfos correspondem às forças criadoras do ar e as ninfas como às ondinas estão associadas ao orixá Oxum (rainha da água doce), enquanto as sereias e tritões vivem nas profundezas das águas salgadas ajudando na limpeza de ambientes, na purificação da aura das pessoas e das regiões astrais poluídas por espíritos do mal. Já as fadas (seres de transição entre os elementos, terra e ar) auxiliam os espíritos superiores na elaboração de ambientes extrafísicos; necessitando ser bela e paradisíaca.

Sirena (Sereia) já foi homenageada por Virgílio, Heródoto, Camões, Olavo Bilac e Monteiro Lobato, embora tenha ficado marcada mesmo nos versos de Homero como uma mulher-pássaro. A única forma de derrotá-la é cantando melhor do que ela com a voz da alma humana. Ulisses ao impor princípios e valores, amarrado ao mastro vertical (o mesmo simbolismo do fogo), resistiu bravamente àquelas vozes encantadoras que o atraiam para as profundezas das águas materialistas, enquanto os marinheiros — aspectos dele mesmo — tapavam os ouvidos com cera.

A sereia indígena brasileira é uma mistura das mouras encantadas: Ondina, Loreley, Mãe d’Água e Iemanjá com o Ipupiara, Cobra Grande e o próprio Boto; até mesmo o anfíbio humanóide de A Forma da Água , dirigido por Guillermo del Toro.

 Iara nasceu na Tribo dos Bororos — Clã dos Araés — à beira do Rio Araguaia (Rio das Araras Vermelhas) no final do século XVII. Aquela exímia caçadora, tecelã e pintora tirou a vida dos dois irmãos ciumentos ao tentar matá-la; por isso, foi afogada a mando do cacique da aldeia no encontro dos rios Negro e Solimões (os quais não se misturam); quando foi transformada pelos peixes e o poder da lua cheia na deusa tupi-guarani dos rios amazônicos e seus afluentes. “A Lenda da Iara, a deusa das águas, traduz a relação do caboclo com o mundo aquático da Amazônia, cuja paisagem ganhou do poeta baré Thiago de Mello o nome de Pátria das Águas. Essa interação permanente do amazônida com as águas gerou a chamada civilização ribeirinha, na qual os rios, lagos, igarapés e igapós são fontes da vida, da morte e do imaginário regional”.