Críticas –  O Escafandro e a Borboleta (2007), A Teoria de Tudo (2014), O Óleo de Lorenzo (1992), João, O Maestro (2017)

Jean Luc Godard se suicidou por estar cansado demaisFamília, fé e sentido na vida

O mestre da Nouvelle Vague (Nova Onda) liderou a sua geração mimada em Maio de 68 quando era “proibido proibir”, mas aos 91 anos, ainda em plena forma, decidiu morrer dormindo tranquilamente numa clínica suíça especializada em eutanásia onde o suicídio assistido é permitido por lei. Apesar da incrível beleza estética das cenas de ação e dos planos-sequência inovadores, os 77 projetos de Jean Luc Godard não contém alma, apenas protagonistas machistas. O diretor marxista foi influenciado pela filosofia existencialista, por isso não teve filhos , mas se casou com Anna Karina (1961 – 1965) e com Anne Wiazemsky (1967 – 1979), estrelas dos melhores filmes noir da sua carreira; em oposição às pessoas com deficiência física severa que não desistiram da vida em momento algum.


Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric) foi o editor-chefe da revista Elle na década de 1990, vivendo cercado de belas mulheres e carros de luxo. No entanto, essa condição privilegiada cessou aos 43 anos após um derrame cerebral quando ficou paralisado completamente, á exceção do olho esquerdo, pondo fim aos prazeres hedonistas. O conterrâneo de Godard pensou em suicídio assistido também, mas resolveu compartilhar seu último desafio inspirador num best-seller traduzido em 30 países e adaptado ás telonas dez anos depois. O paciente com Síndrome do Encarceramento aprendeu a se comunicar por piscadelas, utilizando um alfabeto francês por ordem das letras mais comuns com a ajuda da terapeuta Henriette Durand (Marie-Josée Croze, de Invasões Bárbaras) e da fonoaudióloga Marie Lopez (Olatz López Garmendia). A católica praticante lhe ensinou os caminhos da fé cristã, dando-lhe uma razão a mais para viver. Aquele livro homônimo que deu origem ao filme: O Escafandro e a Borboleta (2007) foi concluído em cinco anos de trabalho árduo, embora aquele jornalista estivesse tão limitado quanto uma borboleta presa num escafandro. Jean morreu em março de 1997, dez dias depois da publicação. Dizia ele: “Além do meu olho, duas coisas não estavam paralisadas: minha imaginação e minha memória”.

O cosmólogo Stephen Hawking (1942 – 2018) viveu o último ano da sua vida com problemas respiratórios e hospitalização regular, a exemplo do escritor francês. O cientista genial interpretado por Eddie Redmayne, nasceu exatamente 300 anos depois da morte do físico italiano Galileu Galilei, cujo objetivo era pôr em prática A Teoria de Tudo (2014) ou a Teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein com os fundamentos da mecânica quântica, capaz de explicar a origem do tempo e do universo: “O desejo profundo da humanidade pelo conhecimento é justificativa suficiente para nossa busca contínua.” “Se encontrássemos a resposta para isso, seria o triunfo definitivo da razão humana, pois então, nós conheceríamos a mente de Deus”. No entanto, aos 21 anos aquele estudante de Oxford desenvolveu uma doença neurológica degenerativa que atinge os neurônios motores, promovendo a atrofia dos músculos. O astrofísico se casou com a autora do best-seller homônimo logo após os primeiros sintomas. Jane (Felicity Jones) é uma cristã anglicana praticante; frequentadora das missas aos domingos, cuja fé lhe deu a força de vontade necessária para criar os três filhos e o marido com Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) por 30 anos: sem faxineira e enfermeira, contrariando o prognóstico médico que atribuiu àquele ateu somente dois anos de vida. Quando o tetraplégico entrou em coma após perder a fala foi sugerindo-lhe pelos cirurgiões a eutanásia também. Porém, a esposa, a favor da vida, optou pela traqueostomia que deu origem ao seu famoso sintetizador de fala.

Lorenzo Odone foi batizado em homenagem ao santo católico queimado vivo por ordem do imperador Valeriano I. O garoto nasceu com uma doença genética rara ligada ao cromossomo X que afeta diretamente a transmissão do impulso nervoso. A expectativa de vida estimada pelos médicos era de dois anos também; até o pai descobrir um óleo milagroso que normalizou a concentração de ácidos graxos no cérebro do garoto. Lorenzo morreu de pneumonia apenas em 2008, um dia depois do seu aniversário de 30 anos; cinco anos antes do pai e oito anos depois da mãe. Michaela Odone (Susan Sarandon) fez questão de cuidar do filho em casa, principalmente no Dia de Ação de Graças e no Natal, enquanto Augusto (Nick Nolte) desenvolvia o remédio para a adrenoleucodistrofia (ALD). O Óleo de Lorenzo (1992) mistura de trioleato de glicerol (fonte de ácido oleico) e trierucato de glicerol (éster do ácido erúcico), extraído do óleo de colza e azeite de oliva.

João, O Maestro (2017) foi considerado o maior intérprete do maior compositor de todos os tempos: Johann Sebastian Bach, por isso teve a ideia de criar a Fundação Bachiana para ensinar música á crianças carentes. Na trama, o pianista perfeccionista descansava apenas nos jogos do seu time de futebol de coração, a Portuguesa de Desportos, ou quando as teclas do piano já estavam manchadas de sangue na calada da noite. Tal obsessão provocou distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho Dort: contratura de Dupuytren; para piorar, o protagonista interpretado por Davi Campolongo, Rodrigo Pandolfo e Alexandre Nero foi assaltado e golpeado na cabeça com uma barra de ferro, provocando uma sequela neurológica: “Eu estava sem rumo, em 2003, já sabendo que não poderia mais tocar nem com a mão esquerda. Sonhei então, que estava tocando piano, com o Eleazar de Carvalho, que me dizia: — vem para cá, que eu vou te ensinar a reger”. Com o intuito de manter o mesmo nível de antigamente, o ex-empresário de Eder Jofre teve de decorar anualmente milhares de partituras, apesar das dores musculares intensas. As deficiências permanentes proporcionaram ao irmão do jurista Ives Gandra Martins um modo de vida limitado: menos desgastante na velhice, transformando o brilhante músico num símbolo de superação para as pessoas com e sem deficiência. Em 2020, João Carlos Martins voltou a tocar com as duas mãos durante a comemoração dos 466 anos da cidade de São Paulo: “É a 1.ª vez em 22 anos que coloco 10 dedos no teclado”.

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